domingo, 14 de fevereiro de 2010

História dos Surdos no Mundo - cont. - 2

  • Abade Sicard (1742-1822)

Educado como um sacerdote, foi eleito director de uma escola de surdos em Bordeaux em 1786, e em 1789, sobre a morte de Charles-Michel de l'Épée, sucedeu-lhe em Paris.


O seu principal trabalho foi o seu «Cours d'instruction d'un sourd-muet de naissance» (1800). Sicard conseguiu escapar à quaisquer danos graves devido a problemas na política de 1792 (Revolução francesa), e tornou-se membro do Instituto em 1795, mas o valor do seu trabalho educacional foi praticamente reconhecido até pouco antes da sua morte em Paris.


Secar sucede a L’Épée no novo Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris.

Simplifica o método daquele em benefício do significado no contexto concreto em que a expressão se produzia. No instituto são agora mais os professores surdos do que os ouvintes.

  • Pierre Desloges (1747-1799), surdo

Aos 7 anos contraiu varíola, doença que lhe provocou a surdez. Desloges não teve acesso à Língua Gestual até aos 27 anos, idade em que conheceu um surdo italiano que lhe ensinou esta língua.


Em 1779, escreveu o 1º livro publicado por uma pessoa surda, no qual defendia o uso da Língua Gestual na educação dos surdos.


Prova ainda no seu livro que a Língua Gestual Francesa já existia antes do aparecimento das escolas para surdos e que foi uma criação das pessoas surdas.

Isto ia contra a ideia que se tinha, atribuindo-se falsamente a criação da Língua Gestual ao Abade de L’Épée, aquando da fundação da 1ª escola residencial para surdos.

  • Jean Massieu (1772-1846), surdo

Surdo congénito, frequentou a escola para surdos de Bordéus que havia sido fundada e supervisionada pelo Abade Sicard. Quando Sicard foi chamado a Paris para substituir o Abade de L’Épée na direcção do Instituto Nacional de Surdos-Mudos, Massieu acompanhou-o desde cedo e tornou-se professor desta instituição durante 32 anos, vindo a ser um dos professores de Laurent Clerc.

Massieu foi um dos 1ºs professores surdos em todo o Mundo.

  • Barão de Gérando (1772-1842)

Tornou-se director administrativo do Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris, nomeando Desirée Ordinaire como director da escola, pouco competente no ensino de surdos, prescindindo e expulsando Jean Massieu, que tinha sido sucessor natural do Abade Sicard.


Gérando via os surdos como selvagens e considerava que a Língua Gestual era uma espécie de mímica, e que não deveria ser utilizada na educação das crianças surdas.


Gérando considerava que os professores surdos deveriam ser substituídos por professores ouvintes e que a Língua Gestual deveria ser banida da educação dos surdos.


Após o falhanço do método que defendia para o ensino de surdos, Gérando compreendeu que a Língua Gestual era a principal forma de comunicação entre as pessoas surdas e aceitou que poderia ser utilizada na educação destas crianças, reconhecendo-a como uma verdadeira língua.

  • Jean Itard (1775-1838)

Médico, cujo o trabalho mais conhecido foi o do menino selvagem de Aveyron, que foi um fracasso. Após ter tratado um doente surdo do Instituto Nacional de Paris, foi convidado como médico residente do Instituto.

A partir daí dedicou-se exclusivamente ao estudo da surdez, iniciando uma série de experiências em surdos: aplicou cargas eléctricas, efectuou sangramentos, perfurou tímpanos e publicou trabalhos sobre a técnica especial de colocar catéteres nos ouvidos.


Para Itard, a única salvação para o surdo era o desenvolvimento da fala, apenas possível pelo treino de articulação e restauro da audição. Se esta fosse curada, a fala também seria. Ao dedicar-se a este treino, descobriu que os surdos até falavam, mas não de forma natural e fluente, e culpou a Língua Gestual desse insucesso.


Após 16 anos de estudos sobre a surdez, compreendeu que os surdos apenas podiam ser ensinados através da Língua Gestual, reavaliando, por isso, os seus métodos.

  • Laurent Clerc (1787-1851), surdo

Com mais de 1 ano de idade, descobriu-se que tinha perdido o olfacto e a audição. Passou a infância sem comunicar nem aprender a escrever e a ler.


Aos 12 anos foi inscrito no Instituto Nacional de Jovens Surdos-mudos, a primeira escola pública para Surdos a nível mundial, em Paris.


Em 1805 começou a trabalhar como tutor no Instituto e no ano seguinte assinou contrato como professor.

Em 1815 viajou para Londres onde demonstrou os métodos de ensino para Surdos, em várias conferências. Em 1816 partiu para os E.U.A, com Gallaudet.


Em 1817 começou a funcionar a escola de Hartford, que foi chamada de American School for the Deaf.

Em 1958 completou 50 anos de ensino (dos quais 41 anos nos E.U.A) e retirou-se aos 73 anos de idade , sem nunca deixar de defender a educação de Surdos.

  • Thomas Hopkins Gallaudet (1787-1851)

Em 1814 Gallaudet, durante umas férias na casa dos seus pais, em Hartford, um encontro casual com uma menina surda, Alice Cogswell, o fez decidir-se dedicar ao ensino dos surdos.


A partir daqui surgiu o seu projecto de uma viagem à Europa, a fim de reunir informações detalhadas sobre a metodologia utilizada na educação de alunos surdos, com o propósito de fundar uma escola própria em Hartford.


Gallaudet começou a averiguar, junto ao pai de Alice, acerca dos métodos de ensino para os surdos noutros países. Gallaudet realizou uma viagem à Europa, a fim de reunir informações detalhadas sobre a metodologia das escolas para alunos surdos, com o propósito de fundar uma escola própria em Hartford.


Gallaudet entrou em contacto com o abade Sicard, Jean Massieau e Laurent Clerc.

Gallaudet passou 2 meses com eles, a aprender a língua dos surdos franceses e os métodos de trabalho da escola. Laurent Clerc decidiu viajar aos Estados Unidos com Gallaudet, para o ajudar no seu projecto.


Gallaudet e Clerc abriram as portas da 1ª escola para surdos dos Estados unidos, a American School for the Deaf. Uma geração de estudantes surdos com uma língua comum, que depois ficou conhecida como American Sign Language (ASL), já era capaz de ler e escrever em inglês, o que foi um resultado desse projecto.


Depois da morte de Thomas H. Gallaudet, um de seus filhos, Edward Miner Gallaudet, participou da fundação do 1º colégio universitário para surdos, que em honra do seu pai foi chamado Gallaudet School. Esta instituição, fundada em 1857, deu origem à Universidade Gallaudet, localizada em Washington DC, e que hoje é a única instituição de estudos superiores do mundo para pessoas surdas. A língua oficial da universidade é a ASL.

  • Amos Kendall (1789-1869)

Em 1856, foi um dos muitos abastados de Washington procurados por 1 homem, que solicitava donativos para criar uma escola para crianças surdas da zona. Esse homem era Edward Miner Gallaudet, filho de Thomas Hopkins Gallaudet.


Compreendendo que estas crianças necessitavam de cuidados especiais, Kendall conseguiu efectuar uma petição ao Tribunal para obter uma doação.


Além de ter conseguido esta doação, o próprio doou 8000 m2 de uma propriedade sua a nordeste de Washington, para fundar uma residência e uma escola para estas crianças.

Esta escola abriu com 12 estudantes surdos e 6 estudantes cegos, com o nome de Instituto de Columbia para Surdos e Cegos. Kendall convidou para director da escola o próprio Edward Miner Gallaudet.

  • Horace Mann (1796-1859)

Viajou até à Europa onde visitou várias escolas para surdos, tendo ficado surpreendido pela forma como as crianças surdas faziam leitura da fala e usavam o discurso nas escolas alemãs. Quando regressou aos EUA, publicou um relatório com as observações efectuadas nas escolas europeias. Isto interessou aos pais das crianças surdas americanas que começaram a exigir o ensino oral.

  • Ferdinand Berthier (1803-1886), surdo

Ingressou, em 1811, como jovem estudante no Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris, quando este era dirigido pelo Abade Sicard. Foi muito influenciado por 2 estudantes desse Instituto: Jean Massieu e Laurent Clerc. Com 27 anos, Berthier tornara-se num dos professores mais relevantes do Instituto.


Berthier ficou na História como um acérrimo defensor da identidade dos surdos e da Língua Gestual. Escreveu vários livros acerca da História dos Surdos.

  • Alice Cogswell (1805-1830), surda

Uma meningite aos dois anos de idade afectou a sua audição para sempre.


O seu pai, Dr. Cogswell, cirurgião, em conjunto com 9 personalidades locais, ao perceberem que 84 surdos daquele Estado (New England), necessitavam de uma educação específica, enviaram o então jovem, Thomas Gallaudet, numa viagem à Europa, para se formar no ensino de surdos, já que à data não existiam educadores para surdos nos EUA.


Esta viagem teve como consequência a fundação da 1ª escola para surdos no EUA: a Escola de Hartford.

Quando a escola em Hartford foi inaugurada, a inscrição de Cogswell foi a primeira que receberam.

Ainda hoje, no campus da escola de Hartford, existe uma estátua de Gallaudet com Alice Cogswell.

  • Gardiner Hubbard (1822-1897)

Hubbard tinha uma filha que ficou surda devido a escarlatina, aos 4 anos de idade. A sua filha foi ensinada por um professor ouvinte através do método oralista.


Em 1864, Hubbard e Howe, entre outros, elaboraram uma petição ao supremo Tribunal de Massachussetts para criar uma escola oralista para surdos, mas sem sucesso, devido à influência da escola de Hartford.

Hubbard não desistiu e deu suporte financeiro para a abertura de uma escola privada.


Em Março de 1867, vários jovens surdos foram convidados a demonstrarem o sucesso do ensino oralista perante representantes do Estado. Os legisladores do estado, agradados com o que viram, elaboraram um documento a autorizar a abertura de uma escola pública oralista.


A professora Harriet Rogers e os seus alunos mudaram-se para Northampton, para iniciar a Escola Clark para Surdos, em Outubro de 1897.

  • Edward Gallaudet (1837-1917)

Filho de Thomas Hopkins Gallaudet, cedo integrou a equipa do Asilo para Surdos, actual Escola Americana para Surdos, em Hartford, onde começou a sua carreira de professor de surdos. Ao mesmo tempo, fez ainda um mestrado e um doutoramento.


Em 1857, Amos Kendall doou 8000 m2 para a criação de uma escola de surdos e cegos em Washington D.C., e convidou Edward Gallaudet para o ajudar a dirigi-la.


O convite foi prontamente aceite, tornando-o no 1º director do Instituto de Columbia para surdos e cegos, posteriormente elevado a colégio. Este 1º Colégio de Surdos deu origem, mais tarde, à Universidade Gallaudet. Edward Gallaudet foi presidente do Colégio Gallaudet/Instituto de Columbia durante 40 anos.


Viajou até à Europa, em 1867. Visitou escolas oralistas, gestuais e mistas na França, Itália, Inglaterra e Alemanha, onde encontrou a utilização do método combinado.

  • Alexandre Graham Bell (1847-1922)

Bell foi para os EUA onde trabalhou com surdos, sempre para a sua oralização. Inventou o telefone, provando o seu domínio sobre a natureza do som e quis fazer o mesmo em relação à surdez.

Casou com uma surda, que perdera a audição enquanto jovem, e fora educada oralmente. Bell foi sempre defensor do oralismo e opositor da Língua Gestual.


Em 1887, Bell e Edward Gallaudet participaram num encontro promovido pela Comissão Real Britânica, em Inglaterra, onde discutiram os seus pontos de vista sobre a pessoa surda.


A comissão concluiu, então, que os surdos deveriam ser ensinados através da oralidade, durante 1 ano. Caso não beneficiassem, poderiam ser expostos à Língua Gestual (ou seja, esta era 2ª opção).

  • Hellen Keller (1880 —1968)

Helen Keller ficou cega e surda, desde os 2, anos devido a uma doença diagnosticada na época como febre cerebral (hoje acredita-se que tenha sido escarlatina). Superou todos os obstáculos, tornando-se uma das mais notáveis personalidades do século XX. Apesar da surdo-cegueira, obteve graus universitários e publicou vários trabalhos autobiográficos.


Anne Sullivan foi a sua professora, companheira e protectora.

Aos 6 anos, aconselhados pelo Dr. Alexander Graham Bell os seus pais recorreram a Anne Sullivan, uma jovem de 20 anos, então recentemente graduada no Instituto Perkins para cegos, em Boston, para educar a sua filha.

Aos 7 anos, confiada a Dra. Sullivan, passou a estudar como exprimir-se em ASL. Aprendeu em seguida a escrever no sistema Braille, e a usar uma máquina especialmente desenhada para ela. Graduou-se (1894) na Universidade de Radcliffe e passou a trabalhar na Comissão de Cegos de Massachusetts e a dar conferências por todo o mundo, por 39 países.


Chegou a dominar vários idiomas (inglês, francês, alemão, grego e latim) aprendeu a ler em diferentes sistemas para cegos e publicou, entre outros livros, «Historia de minha vida» (1903), «O mundo em que vivo» (1908), «Sair da escuridão» (1913),«Os meus anos posteriores» (1930), Tenhamos fé (1940), «Mestra Ana Sullivan Macy» (1955) e «A porta aberta» (1957).

  • Conferência de Milão de 1880

O Congresso de Milão foi uma conferência internacional educadores de surdos, em 1880. Depois de deliberações de 6 a 11 de Setembro de 1880, o congresso declara que a educação oralista é superior ao da língua gestual e aprovou uma resolução que proíbe o uso da língua gestual nas escolas. Desde a sua aprovação em 1880, as escolas em todos os países europeus e os Estados Unidos mudaram para utilização terapêutica excluindo o uso da língua gestual como método de educação para os surdos.

  • Antes do Congresso

Antes do Congresso, na Europa, durante o século XVIII, surgiam duas tendências distintas na educação dos surdos: o gestualismo (ou método francês) e o oralismo (ou método alemão). A grande maioria dos surdos defendia o gestualismo enquanto que apenas os ouvintes apoiavam o gestualismo - por exemplo Bell, nos EUA, fazia campanha a favor deste método, entre muitos outros professores, médicos, etc.

  • Resoluções do Congresso de Milão

O Congresso de Milão, em 1880, foi um momento obscuro na História dos surdos, uma que lá um grupo de ouvintes, tomou a decisão de excluir a língua gestual do ensino de surdos, substituindo-a pelo oralismo (o comité do congresso era unicamente constituído por ouvintes.) Em consequência disso, o oralismo foi a técnica preferida na educação dos surdos durante fins do século XIX e grande parte do século XX.


O Congresso durou 3 dias, nos quais foram votadas 8 resoluções, sendo que apenas uma (a terceira) foi aprovada por unanimidade. As resoluções são:


O uso da língua falada, no ensino e educação dos surdos, deve preferir-se à língua gestual;


O uso da língua gestual em simultâneo com a língua oral, no ensino de surdos, afecta a fala, a leitura labial e a clareza dos conceitos, pelo que a língua articulada pura deve ser preferida;


Os governos devem tomar medidas para que todos os surdos recebam educação;


O método mais apropriado para os surdos se apropriarem da fala é o método intuitivo (primeiro a fala depois a escrita); a gramática deve ser ensinada através de exemplos práticos, com a maior clareza possível; devem ser facultados aos surdos livros com palavras e formas de linguagem conhecidas pelo surdo;


Os educadores de surdos, do método oralista, devem aplicar-se na elaboração de obras específicas desta matéria;


Os surdos, depois de terminado o seu ensino oralista, não esqueceram o conhecimento adquirido, devendo, por isso, usar a língua oral na conversação com pessoas falantes, já que a fala se desenvolve com a prática;


A idade mais favorável para admitir uma criança surda na escola é entre os 8-10 anos, sendo que a criança deve permanecer na escola um mínimo de 7-8 anos; nenhum educador de surdos deve ter mais de 10 alunos em simultâneo;


Com o objectivo de se implementar, com urgência, o método oralista, deviam ser reunidas as crianças surdas recém admitidas nas escolas, onde deveriam ser instruídas através da fala; essas mesmas crianças deveriam estar separadas das crianças mais avançadas, que já haviam recebido educação gestual, afim de que não fossem contaminadas; os alunos antigos também deveriam ser ensinados segundo este novo sistema oral.


Uma década depois do Congresso de Milão, acreditava-se que o ensino da língua gestual quase tinha desaparecido das escolas em toda a Europa, e o oralismo espalhava-se para outros continentes.

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